[16.2 – 17]


r
e
n
a
t
o


J.C.


[AFETIVO
EFETIVO]

Exatamente, vamos pensar,
esta cama é um cais, breve
é nossa despedida, não siga
partida...
A saudade, fazendo-se,
lembra aos amantes laços
para sempre unidos.

Claramente, deixemos
os bons momentos guardados
para melhores reflexões,
não prenda ao peito
como triste recordação.

Num recado:
liberte as palavras de amor,
refaça os hinos...

Prontamente, desviamos
o destino, retornando
ao gozo noutro ninho.
Quem ama não sofre,
não existe partida.
A separação é apenas
um rumor na teima
de um, desesperado.

Resiste a chama
no desejo que inflama,
na paz
dos enamorados caminhos.



Retemos para sempre
o gozo do amor.
Feito um facho,
solene nos vigia.

Cantamos as melhores canções
lembrando de quem amamos,
ouvindo o afinado coro
de nossas afetivas alegrias.



Gosto de pensar:
SOU DO MAR
Não escondo o desejo
por minhas partidas
e partilhas.
De chegar nessas ilhas
com o verdadeiro amor.
Lembro:
vivemos em um mundo de água.
É 75% líquida, a pátria em que habitas.

Vivo solto
nesse barco agigantado
pela ilusão.



Um fundamento
profundamente
fundado
no sentido
de navegar.

Navegamos
numa imensa ilha,
solta, circulando no ar.

- Não tem ar!
É no éter
nosso o caminho,
essa estrada.

Marinheiros
numa nave interessante
chamada Terra, mas,
misteriosamente aquática.


Eu Não Sou Daqui
MARINHEIRO SÓ

Eu Só Tenho Amor
MARINHEIRO SOU

Eu Sigo Essa Guia
MARINHEIRO SOUL
De São, Sã Salvador.





17 ►



            Ontem eu conheci um maluco engraçado que tinha medo do mar, ele falava arrastando uma lenda de embarcação. Dizia ele, lá nele, tinha visto um navio, tão grande que podia voar, mas era um barco absurdo de grande em que todos navegavam...

Eu disse pra ele:
olha a praça
que se meteu no seu mar,
essa onda
que todos virão,
vai te pegar!

Assustado,
ele via o mar
muito longe daqui, como
um sertão separado,
dentro duma gaiola.

É, eu não consegui
fazer ele vê, lá nele,
que o oceano está
também dentro dele.


AONDE VÃO ME CONTAR
OUTRA HISTÓRIA?
DE QUEM NAVEGA
MINHA SINA.
PROCURA O REMANSO
EFICIENTE
MINHA CANTIGA.
RIMA.

SENDO MEU SENHOR
UM PEIXE, EU SEI,
DO SILÊNCIO
NO FUNDO DAS ÁGUAS:
NINGUÉM JAMAIS
JUNTOU, PEGANDO
PALAVRAS
DA BOCA DESSES
SERES.

O SILÊNCIO,
NO RUMOR DAS ÁGUAS
É O LIVRO SAGRADO,
SEM TEXTO QUE IMPRIMA,
DAS EMBARCAÇÕES.




Σειρνας

[LIGEIA]

Uma sereia canta
os seus anseios
e somente o desejo
ela atravessa
com anzóis,
feito um canto
que assusta.

Assusta, mas é bom,
vicia a quem escuta.














Sabemos que
na Homérica lida
com as orelhas de cera,
eles vestiam um selo,
procurando, por desculpa,
não naufragar.
Mas, eles tinham
caprichos de pedras,
não de sereias.


Sereias são lindas moças
com fartos seios
e rabos
de peixe.

Cantam somente
os seus anseios
e somente o seu desejo
elas atravessam
com anzóis de música,
num canto que assusta.

Assusta, mas é bom.
Vicia a quem escuta...




No convés alagado
pousam pássaros
recolhendo
o muito do pescado.

São aves salgadas,
para quem o mar
é também moradia.

Nas recolhidas redes
os peixes pulam, pulam
sustentando seu vigor.
Não é para eles
a morte um terror,
se tanto pulam
tentam voltar
para a água, sua vida.

Nem se lembram da liberdade,
eles não pensam por nossos rosários.

Um pássaro a mais
faz de outro peixe pão.
Outros peixes mais
nos escapam
pelo tombadilho,
revolvem, revolvem.

Voltam à sua morada
insegura,
para o capricho
de outras perigosas presas.

E nadam
para o seu mundo
misterioso
porque não pensam
no amanhã.

Sem a felicidade
dos que fogem
da armadilha.




VARRO – A barca.

Amiga das ondas,
meus ajudantes
ainda a chamam
de bacia.
Feito camaradas...

Deusa bem feita,
os tripulantes estranhos
olham suas curvas
com o devido respeito.
Feito canalhas...

Fiel companheira,
dama elegante, rainha
das embarcações.
Nas minhas orações
eu te louvo e
te chamo de bruxa.
- Livre. Leve e sem culpa.

Muitos mares te sagrarão...




Luz Cambará,
como lhe fazer esse bilhete se já estou em alto mar? Quem sabe eu encerre numa garrafa essas linhas sem precisão.
            Cada porto é um mar, não fazemos mais que suposições, e eu sei que encontrar uma pérola na beira da praia não é coisa escrita em nenhum destino. Então, consciente dessa oração lhe peço pra ter as melhores lembranças dos nossos desejos, peço num sonho profundo que da sua memória fique apenas o que eu vi de zelo. Gozar os encontros é comunhão com o passado, tem um mistério correto no dizendo, mas, a gente sente por ver. O todo é tão pequeno que nessas voltas a felicidade se faz, isso é mesmo o sentido. Não conseguimos esquecer. A memória relembra a lágrima que o vento já enxugou; a memória aceita ligeiro de presente o perfume dum tempo.
A lembrança não é a jaula dum momento, nós, que vivemos de amar, sabemos.
O corpo guarda uma trajetória, o trecho é sulcado feito disco de vitrola, tá sempre lá, na pele, nossa canção.
E tem sempre pra você meu canto, o leme dessa nave solta do oceano a melodia mais bruta, as músicas se juntam. A felicidade ajuda a quem rasga no mar a gigante oração.

Oxalá
J.C.





12 328
Limite 94 333 mt



- Mercador    3 280 kg
- Sardinha     1 596 kg
- Barão              318 kg
- Subarana       122 kg

---

                                   vale                saldo
¬ Realejo                   75                    225,
¬ Camarada              12                    288,
¬ Júlio                                   38                    272,
¬ Matriz                    62                    238,
¬ Gustavino             25                    275,
¬ Semporca              113                  187,
¬ Nove seis              54                    246,
¬ Branco                    38                    272,


Oléo  =>  56 932 lt




do que se descobre na língua do povo é o retrato do que junta a tradição. Eles se dizem deus, cristão, encruados que são. Eu digo mais, é deus e é tudo junto, não tem respaldo quem brinca com o sentido, dá opinião alheia, do povo: dum porto: tão ali, fadados, a viver recolhendo e enxugando estória. Não se aventuram a desconfiar que a partir do cais tenha outro milhão de gente que caga feito divindade feito eles.
Besta é quem desce pra beber com esses patuscos, prefiro aquela gente das docas que sabem viver no gozo eterno do Saber, sem cuspir fora a saliva do divino. Destino.

E eu mesmo, tô falando tanto em destino, que viro marmota!
Ou bosta!

- Nessa porra!





[o Sol]
alvoroçado
Sai do Mar
chiando a água
queimando as nuvens
bola abstrata
linda demais
brilha que só
quente quicé
dono do dia
[a Lua]
Brilha Calma
levantando vem
espelha n'água
como a mais bonita
Estrela do dia
Prata besouro
alumiando a noite
as nuvens zelando
sem nenhum consolo




[Naive Nobreza]

As sobremesas da noite
são as constelações,
estrelas no céu traçado.
Mudo de opinião, faz supor
cada coisa esse reinado.

Se fosse possível conversar
com alguma autoridade do cosmo
devia-se perguntar:
como pode fazer tanta beleza?
Das mais belas...

Procurar explicação, não!
Mas, assuntar...
- Porque borda os espaços
com tão lindas teias?

Tenho fé que tudo isso
é pra gente se ver,
sentir no caminho
como o mundo é gigante.



Sendo humano
um horizonte de água,
numa aurora
perfeitamente escolhida...
É coisa do acaso.



Saía do rebordo do navio
uma urgente música
que tremia, 
feita num ritmo
africano.

Não era tão longe
esse mar.

Era mais uma solução
que eu achava vadia
e permitia
meu sentido
sambar.


Festa a bombordo.
Ô trapalhões!
Bebem e dançam,
comum, outras bestas.
Foram
enforcados ao sair,
deixando os cruzeiros
além do cais, mas,
eles se julgam mais
felizes assim.

Vejam só:
tirando a sorte
e puxando a alça
do sutian no marujo
que paga
a prenda da vez...
Caindo,
escorregando tontos
no molhado piso,
fedorento a peixe...

Esqueceram
seus romances baratos
com muitos goles
de vinho e cerveja.
E nem se lembram talvez
que deixaram
seus suados cruzeiros
pularem de suas calças, ou
que já viram tetas.




Encontrar uma baleia
é como sempre lhe disseram:
tem uma simpatia que faz
a atmosfera toda planar.

Muda a respiração,
de toda a redondeza
desce um elo com o sagrado.
Enquanto ela passa
cada movimento
daí em diante,
é transparente.

Observamos
longos
seus penachos
de espuma
e forte pressão,
num rufar de gêiseres.

Resguardamos
o seu músico sonar
na vívida impressão
de que sorrimos
pela testa...

Imensa e lenta,
sábia e honesta
ela apenas levita
cercada
de movimentos.

Clara e madura.
Cruel e discreta.



Este manuscrito é um perdido caderno, escondido há 20 anos.
Exatamente reencontrado quando eu acordei dum sonho bonito lembrando esses planos.
Eu venho num hábito inocente, desde a minha infância, de guardar dentre os livros da biblioteca que há na casa de meus pais desenhos e escritos, como uma forma de plantar uma arqueologia pessoal e futura.
Na minha primeira adolescência eu comecei esses sonhos de marujo, ou desde antes, mesmo o meu boneco Playmobil veio sendo um viajante dos mares, numa canoa laranja com arcas e baús de tesouros, muitos chapéus, gravatas malucas... Deixando sempre um rico traçado no meu folclore, minha literatura testemunha.

Ele foi assim editado sem grandes modificações, umas correções ortográficas e vírgulas e pontos especiais saltaram de seus antigos lugares, ganharam a real dimensão. É um caderno médio e pautado, daqueles com dois grampos, onde grafei a minha primeira âncora... Quem sabe...


Vale do Rio Açu, quase carnaval do ano 37
r.

Sentado. Estava. Numa canoa.
Que coisa.
Pescando. Mas era lixo.
Que tinha. De sobra.
Lá na lagoa.

Caindo. Um corisco. Assim sem chuva.
Pois veja. Lá feito um raio.
Na água. No norte. Feito uma pedra.

De susto. O acontecido. Não fez espanto.
Pescando. Ficava eu lá. No meu canto.
Não fosse. De pronto.
Na superfície. Que ali caiu.
Boiando. No espelho dágua. De lá floriu.

Uma nave. De prata. Assim sem véu.
Ficou. Na planta da água. No ar.
Refletindo o céu.

Peguei no remo. Num rápido.
Do imprevisto.
Chegando. A nave.
O encanto. Foi que me deu.

Uma porta. Mostrando. Minha canoa.
Desceu. Abrindo. Eu. No espelho dela.
Lá. Numa ponte. Feito janela.

Da nave. De dentro.
Assim se viu. Eu cá. Sentado.
Já assistindo.
Um ser. Da imagem dum peixe.
De lá saiu.


Falando. No pensamento.
Como num sono.
Entrando.
No sentimento. Eu cá. Sentindo.
Mostrando.
A dimensão. Do seu universo.

Fez um mundo.
Só.
De engano.
Foi. Apartou-se do mais.
Humano.
Da criatura que dele.
Se descobriu. Na criatura.
Que nele. Se encobriu.

As Aventuras de Juscelim.

1




Não se faz obrigação
de narrar tudo explicado.
E nem é a intenção
ser tomado por um chato.

Certeza no que importa
de fato não é aposta,
que só rima, mesmo,
com imposta.
Que dirá mesmo
com bosta.
Tendo sua, explicação.

Mais certo, ouviu dizer,
o homem faz sua a lua.
Não carece apostar
uma coisa que já é sua.

Vejam que sou popular
teimoso, que sempre aposta.
Coragem eu tenho e sobra.
Por isso sou conhecido,
famoso, no meu lugar.

Não teimo fazendo farra,
nem pra caçoar do amigo.
Livro-lhe, até do castigo,
levantando sua bola.

Só peço, não é esmola,
meu viço já é escola.
Não tenho queixa, por isso,
desculpa se lhe amola.

Cantor por oferecido, de nome,
Juscelim, Capitão do Piató,
compositor, por melhor.

Se lhe digo disso e engancha,
é que só, careço dum gancho,
de repente, no correr do canto,
pra o poeta aparecer.

E é sempre pra lhe dizer:
da paz, fiz a minha linha,
é fato já conhecido.
Essa é minha ventura,
que canto por merecer.

A vida merece encanto,
da lida se faz um canto,
só bem pode oferecer.
Disso pode confiar,
faça com todo prazer.

E disso, do explicado,
retire, não sou um santo.
Receba como recado,
aconselho sem mais-valia.
De graça entre no encanto,
na graça, por entre o canto.

Por graça é que faço, conto.
Da paz, a sua procura,
do amor procurando, acura.
Pecado não se admite,
no conto que segue em frente,
procure a sua cura.

O amor não é objeto.
Ele é... Parte da vida.
Não se feche no concreto.
Não tem nem, outra saída.


Meu parceiro Juscelim
é um homem de ação,
reconhece seus deveres,
não aceita privação.

Vai procurar seus recursos
noutros cantos do planeta.
Refazendo seu destino,
com muita sorte e destreza.

Sua façanha ele conta,
não esquecendo os detalhes.
Esperando que dela evitem
a moral dos avexados.


Tenho acertado comigo,
pra valente, fazer hora.
Só mostrando a que veio
na sabença da melhora.


Aquele triste ou descrente
observe a oração.
Numa terra, bem cuidada,
jamais nos faltará o pão.


Pra quem planta respeitando
a lei da mãe natureza,
nasce e cresce nesse recanto,
todo tipo de riqueza.
Aqui é morada das águas,
mãe de toda fartura.
Nesse vale desse rio
resplandece a formosura.


Todos assistem a cena,
perdoe todos dizem por esmola.
Preguiça e lixo perseguem,
a quem deles não se isola.

Noutro tempo da sujeira,
no Assu, um boato se espalhou.
No norte, era dito, havia dinheiro,
pra juntar com ciscador.

Um progresso apressado,
de cria com a safadeza,
faz nascer toda miséria,
aonde só se via a beleza.


Pois assim a ganância é,
já vem remendada nas beira.
Cresce que nem comichão,
não requer a opinião,
na língua da precisão.

O certo é que não há gruta
que esconda covardia.
Há uma forma de riqueza
que merece antipatia.

Tenho acertado comigo,
pra valente, fazer hora.
Só mostrando a que veio
na sabença da melhora.

Quero deixar bem claro
o porquê de aqui voltar.
Não existe lugar no mundo
já perfeito pra morar.

Passei por diversas provas
pelos cantos em que andei.
Expulsando a incoerência,


E a moleza no engolir.


as normas de quem não pensa.

Tive que acordar razão,
sem medo e sem cansaço.
Mexendo com muita porta
que não queria se abrir.
E depois de muita aposta
o bom mesmo era partir...


Tinha havido outra cheia
e nem preciso falar.
Havia era farta, promessa,
como peixe a nadar.

A gente via os desmandos
de quem controla a cidade,
era um desassossego
que reinava em autoridade
.


Num dia de muita sorte,
metido com muita aposta,
fui encontrando umas tábuas,
o que me deu numa proposta.
Montar uma canoa e rumar.

Comprei os pregos de Egídio
com as horas que trabalhei.
Os remos, sem muito esforço,
numa aposta eu ganhei.

Foi na serraria de Pinto,
de Noé, iniciaram uma lenda.
Diziam que fazia eu uma arca,
pra salvar minha fazenda.

Enquanto a canoa eu construía
os desocupados mentiam,
inventavam, sugeriam marcação.
No meu trabalho eu seguia,
sem fazer opinião.

Tenho acertado comigo,
pra valente, fazer hora.
Só mostrando a que veio
na sabença da melhora.

Ainda tenho por amigos
quem de mim se aproximou,
e com palavras de zelo
demonstrou o seu amor.

Logo depois de alguns dias
minha canoa eu pintei
e lhe dei nome de Aurora,
pelas coisas que passei.

Assim também num calado,
quando o sol se escondia,
já na minha Aurora eu rumava.
Ao céu graças eu pedia.

Naquele dia a natureza
em abóbada na lagoa,
já rezava a canção da volta
e eu sentia suas dores.


Fiz da beleza oração, a canção
guardei, e segui minha sorte.

Chegando ao Riacho Cipó cantei as estrelas,
pesquei um camurupim no Rio dos Cavalos
e numa grande oiticica parei.
O dia voltava quando ao grande rio cheguei.

Tendo certeza que o mar conversava com o rio,
meu sossego era rumar, buscando aquela união.
Pelo vale assistindo, merecido da ventura,
obedecendo a corrente que me dava sua mão.



Ao meio dia cheguei num estreito cheio de pedra, uma estrada pra carros impedia o meu curso e uma disposta lavadeira de roupas chamada Norma, vendo que minha canoa por ali não passava, me ofereceu sua ajuda.

Depois de juntar o camurupim com seu feijão verde a simpatia cresceu. Sentindo no seu olhar o desejo me entreguei a seus beijos, desse encontro o amor se fez. De manhã ela ia pra casa, alinhavava umas ocupações de filha única que morava com os pais agricultores enquanto eu pescava, e no final da tarde então voltava a meus braços. Era um bonito arranjo, só que depois de alguns dias para minha jornada eu merecia voltar. Largar a vida de assistência a seus pais já idosos ela não podia, então compreendeu e confiou o adeus.
Não carecia despedida.


Sem pressa como antes,
fui seguindo a correnteza.
Observando a paisagem,
preso de única certeza.

Quando é livre seu amor,
não existe obstáculo
que prenda seu coração
na fronteira desse laço.

O encontro no sentimento
é uma forma de canção.
Não faça desse momento
uma forma de prisão.

Amar sempre é possível,
o sentir é um dever.
Alegra muito o destino.
É fácil de entender.


Enquanto a cheia lua saía...
Eu escutava uns latidos, nas barreiras de um sítio.

Veja-se só, qual o motivo,
três cachorros acuavam
um gatinho sem defesa
que miava assustado.

Farejando minha passagem
aquelas feras danadas aumentaram a latumia,
e o dono nesse momento da barreira foi me vendo.
Ali, sem permissão, não se podia pescar,
de lá mesmo foi dizendo.
Calculem o desconforto, de topar com aquele moço
de espingarda na mão.
Vendo sua arrogância, lhe disse não estar pescando,
o gato eu tinha vindo buscar.

Qual não foi sua surpresa e me disse sem demora,
pra levar aquele bicho que tinha parte com o mal.
Não gostava da cor preta, nesse tipo de animal.


E pelo claro da lua se via
que também ele não tinha
um tom rosado de pele.

Não existe disputa
que lhe meça opinião.
Não existe desculpa
onde já mora o perdão.

Como quem rebola um bagaço,
então me jogou o gato
que por sorte agarrei no ar,
evitando o impacto.

Antes de me despedir
ainda disse com firmeza,
que na lei da natureza,
aquele tipo de cor
não lhe tirava o valor.


Um elefante é cabido naquela minha canoa, mas
um gato era bem vindo e lhe dei o nome de Horácio
.


Pelas vazantes do rio
muito lixo encontrava,
e via com muita tristeza
que das cidades vizinhas
a sujeira lhe mandavam.

Neste vale amistoso
a tristeza é ver o engodo
de quem a ruim patrão
oferece proteção.


Revolta ver como a lei
não oferece castigo,
a quem trata sem respeito,
a terra, que é seu abrigo.


Pois assim a ganância é,
já vem remendada nas beira.


E cresce que nem comichão.


Mas não pode lavar as mãos
com o suor da precisão.


A água é mãe da vida,
não repitam essa ação.
É nosso dever de filhos
lhe ter muita gratidão.


Pra quem vive respeitando
a lei da mãe natureza,
nasce e cresce deste encanto
a mais bonita riqueza.
Aqui é morada das águas,
mãe de toda fartura.
Nesse vale desse rio
resplandece a formosura.


Foi noutra estiva pra autos que encontrei resistência e sozinho não podia passar, era um entulho bem alto com uns canos largos de ferro a vazão da água fazendo. O jeito foi ir procurar ajuda, assim quem sabe trocava uns peixes por uns quilos de arroz. Meilégua de estrada, de piçarra. Cerca de todo lado, resguardando latifúndio, sem notícia de povoado. Debaixo de um juazeiro um ancião dormia.
O abandono no viver era visto ao seu redor. No susto acordou como quem vive escondido, mas comigo amistoso, foi dizendo que se eu fosse caçador corresse daquelas bandas. Ali tinha guardador armado até os dentes. Depois de contar minha busca, lhe explicando meu destino, ele me contou sua tragédia, que narrarei sem detalhes.
Tinha ele tido, junto com sua mulher, dois filhos e uma filha, pequena terra, na rotina o trabalho diário de honesto agricultor e criador, de subsistência como se diz. De rápido feito as terras vizinhas foram sendo tomadas a pequeno valor e seus vizinhos se mudando como que expulsos de suas casas, a poder da precisão. O latifúndio foi crescendo e aumentando as dificuldades, dava trabalho, mas a pouco salário. O meio ambiente sofrendo com a poeira do agrotóxico fazendo revolução, um dia chegou um papel escrito de falsidade com a lei, dizendo que sua morada ajustava umas dívidas de seus dois filhos, por parte do administrador.
Fez-se o absurdo, sua senhora morreu de triste ou, penso eu, do convívio com o tóxico que descia na pulverização do avião. Seus dois filhos viraram uma espécie de escravos na fazenda do patrão e sua filha cozinheira no barracão dos empregados. Já ele, vivia a mais de ano na sombra daquela árvore, com o quase nada que lhe sobrou de sua casa, aonde essa sua filha, uma vez por dia, vinha deixar o de cumê.


Pois assim a ganância é,
já vem remendada nas beira.
E cresce comendo o chão,


De mãos dadas com o “pogresso”.


aumentando a opressão.

Tenho acertado comigo,
pra valente, fazer hora.
Só mostrando a que veio
na sabença da melhora.

Resolvido a investigar aquele tipo de abuso, esperei a noite chegar.
Na oração da Anarquia um homem não é sozinho e não pode ver seus irmãos presos da injustiça.
Alegra em seu coração a paz e a justa convivência com os outros viventes, habitantes interdependentes que são de todo e qualquer espaço.
Sem dificuldade atravessei as cercas, já conhecendo uns detalhes me passados por Rosa, filha de seu Adão, quando veio deixar a bóia, que disse ainda uns cuidados e chorou sua revolta. Acertada comigo levou um chá forte de raiz de jitirana, pra adormecer os capangas.
Do calmante todos beberam, até os cachorros dormiam e eu vi a escravidão. Num barraco grande de palha de carnaubeira descansavam homens magros e crianças, me acreditem, sofridas pelo trabalho forçado. Acorrentados nas pernas, como no tempo do império. De posse das chaves, um a um fui libertando calmamente, silencioso explicando o rumo que iam tomar. Atravessaram as plantações, o campo, como passarinho solto e em acordo entre eles, outras direções tomaram. Só voltou pru juazeiro, comigo e Rosa, uma criança, seu filho dos estupros de um capanga, os seus dois irmãos, mais um rapaz de nome Justino, cego de um olho, capenga de tanto apanhar. Então seguimos a estrada em busca do rio, livramos Aurora do entulho feito em ponte e apressando a correnteza com os remos ainda ouvimos, ao longe, uns tiros atrasados demais.


Seguimos pelo vale do rio
em quatro dias bem calmos.
Pescando, arrancando batata
e relatando nossos causos.

Rosa, seu filho e seus irmãos,
juntamente com Seu Adão
resolveram ficar num sítio
de posse de um parente.
Seguimos eu, Horácio e Justino,
remoendo seu triste destino.

Nos ensinamentos da vida
aquele rapaz é a prova
do que resulta a covardia.
Noutra fazenda em revolta
vendeu-se a troco de bosta,
futurando ninharia.


Triste foi o seu engancho
naquela tropa
do inferno,
pagou um preço bem alto
quando começou a festa.

Marcaram a sua sorte como fazem os espertos,
fazendo dele palhaço, cuspiram na sua testa.

Com a mão na consciência
seu futuro reclamou, tomaram
ele
pra Cristo, foi assim que apanhou.

Uma hora na ligeira aos chutes e xingamentos,
foi a ordem do patrão, assistindo ao sofrimento.


Não é certa a segurança
pra quem se junta a bandido,
no trato com arrogância
não conhecem o respeito.
Se fazem de autoridade
pra ganhar o seu direito.


Enquanto ele contava
vi as luzes de uma cidade.
Como ainda era bem cedo
nós decidimos parar.
Atamos Aurora num tronco
e resolvemos ir lá.

Vejam que na agonia,
na fuga lá da fazenda,
Justino teve um defeito
transformado em ajustamento.

Sacou do bolso dormindo
do chefe do barracão,
uma liga amarrando,
um bocado de tostão.

Chegando à rua central
nós paramos num boteco.
Com pouca gente na rua,
três ou quatro no balcão,
vinha o cheiro que ali
tinha havido confusão.

Resolvidos a tomar uma
pra caçoar do governo,
de posse de uma garrafa
começamos nossa farra.

O dono do estabelecimento
pra nosso sossego falou
que aquela noite é lei-seca,
mas a polícia já passou.
Levaram nove algemados
nas grades dum camburão.


Era véspera de eleição.


Dividimos aquela pinga e
não nos deixaram faltar,
um tira-gosto bem farto
que fizemos de jantar.

Justino muito contente
não queria mais sair.
Dançando ao som do xote
com as meninas dali.


Altas horas retornamos com o cheiro da bebida.
Foi chegando à canoa, Justino se explicou,
ia viver com uma dona que com ele combinou.

Resolvido que ele estava, não deixou de insistir
pra eu ficar com os víveres que compramos
no boteco.
Lhe disse pra ter cuidado e se fazer de modesto,
a covardia é desculpa, pra quem não é lá
muito honesto.


Outra vez fui eu
em companhia de Horácio.
Observando as estrelas
montado na minha Aurora.
E sabendo que a vida
é um tipo de profissão.
Pra quem trabalha direito
o destino dá a mão.

Não existe ser humano
sabente de sua sorte
que desmereça em cuidado
o que lhe fazem aposta.


Reconheço também a beleza
que existe no engenho humano.
Vejam só a utilidade em muito do seu fazer.

Imagine o mundo sem arte,
sem nenhuma proteção.
A falta da medicina, a pobreza na razão.

A ciência nos ensina, nos dando a conhecer
até no nosso lazer, ajudando a proceder.


Pois assim a vida é boa,
até mesmo quando é difícil.
Vejam só a inteligência
que constrói um edifício.

Na esperança sincera,
quando os homens dão-se as mãos,
até mesmo a autoridade
num segundo vai ao chão.

O certo é que não há gruta
que esconda covardia.
Há na grandeza da alma
a mais certa melodia.


Em paz consigo e com o mundo
vá fazendo seu viver,
não existe absurdo
que faça você sofrer.


Com um dia e uma noite de navegar, já se notava que o rio ia aumentando o volume, mas era bonito e triste nas barreiras. Passei embaixo de uma ponte de ferro, alta, enferrujada. Naquela região tinha poço de petróleo a perder raciocínio, o óleo que vazava fazia-se furta cor na superfície da água. Embora esse combustível tenha feito a modernidade de uma civilização de plástico, os riscos dessa extração ainda são amplamente estudados. Apesar dos cuidados muitos ecossistemas são abatidos, às pressas, a guerra mesmo existe no médio oriente, isso vem causando enormes estragos na vida das populações. No mar e na terra a água e seus seres são os mais atingidos nessa exploração.
O trânsito de gente e mercadorias nos carros, nos jatos, o gás que cozinha e até a sacola dos mercados têm um preço bem alto. Tudo que é supérfluo no mundo aí encontra explicação.


Remei depressa a canoa,
repensando aquele problema.
Que o homem em sua razão
encontrará solução.

Vejam bem que no Egito
uma praga se espalhou,
milhares de gafanhotos
os seus campos dizimou.

Pesaram a ira dos deuses,
seus sonhos eram profetas,
nem seus sábios explicaram
a raiz de tal castigo.

Hoje a ciência explica
o que foi que aconteceu,
estudando aquela passagem
à luz de raciocínio.

A fumaça que espalhou
a explosão de um vulcão,
causou um desequilíbrio
naquela população.

Se ficou impressionado
com o que ouviu dizer,
tenha mais discernimento
naquilo que vai fazer.


A tirania faz riqueza
sem respeito pelo mundo.
Ameaça a vida e o futuro,
transforma o globo em imundo.


E vejam que a omissão
é também grave defeito.
Sempre existe a solução
que a todos diz respeito.


Mais um dia de viajem, sem pressa num atrupelo.
Gastura dava a sujeira na superfície das águas,
arrodeando a canoa, encabulava a razão.
Nunca vi tanta matéria, sem forma, sem explicação.
Ali se vê que o mundo, tá metido em confusão.

A confusão do consumo, fazendo um tipo de arte.
Um absurdo de arte, se fazendo de costume.
Um costume autorizado, sabendo que não é certo.
Autorizando um despacho que assim não faz correto.

Foi à boquinha da noite que eu avistei Macau.
Pelas luzes dessa ilha, eu então me dirigia.
O céu lotado de estrelas. Sentindo o cheiro de sal.

Atei Aurora a um posto onde havia alguns barcos.
Botei Horácio na nuca, juntei as coisas num saco.
Pulando uma amurada dei na praça da matriz,
armei a rede nos postes, foi assim que eu dormi.

Cedo acordei com um carro de reclames comerciais
e procurar um trabalho pra ganhar algum sustento,
foi o que pensei na hora, calculando os fundamentos.

Com Horácio já bem esperto,
que seguia os meus passos,
fomos procurar a feira com muito entusiasmo.
Pela calçada cantando, fui ajeitando a postura.
Na feira vê-se a riqueza que existe numa cultura.

Defronte à casa, varrendo,
uma mulher me indicou o rumo que dava lá.
Disse que era a maior, ensinando o lugar.


Depois de uns dois bom-dia
eu já tinha o meu emprego.
Ficava tratando o peixe
que um amigo revendia.

Augusto já era doutor
naquilo que ele fazia.
Era muito consciente,
de trato, na simpatia.

Comprava os peixes a justo
de uns amigos que pescavam.
Naquela sua beleza,
era dono de seu espaço.

Já na hora do almoço,
enquanto se conversava,
demonstrou-se a decência
com que conduzia os laços.

Amigo de todo mundo,
feliz na sua grandeza.
Honesto em convicção,
gigante por natureza.

Depois de limpa a barraca
o meu soldo ele pagou,
confirmando meu emprego,
dizendo do meu valor.

Ele então me convidou
para irmos a um bar.
Era o seu aniversário
e ele ia farrear.
   
                   A Cigarra    pág. 08

Festa no Mata Sete 

termina em confusão

Ontem por volta das onze horas da noite no Clube’s Bar daquela zona, propriedade do senhor conhecido por Sansão, uma farra de bebedeira quase termina em tragédia.
 A discussão envolvendo o comerciante Paulo Timoteo, filho do juiz dessa Comarca, residente na Capital, em visita a nossa cidade e Luiz Augusto Campos, peixeiro, 23 anos, solteiro, que fazia uma festa improvisada naquele estabelecimento, começou por motivos simples. Em seu depoimento ao Cabo Santos, chefe da viatura policial, o popular peixeiro Augusto narrou que estavam todos bebendo quando chegou ao recinto o Sr. Paulo Timoteo em companhia de um amigo. Depois de alguns instantes lhe pediu uma bebida que de pronto atendeu. Ao pedido de outra garrafa, o comerciante se chateou porque ele, Augusto, disse para pegar no balcão, onde estava fazendo a despesa, dizendo ainda em seu depoimento que fez isso porque não tinha bebida na mesa, e que não houve má intenção. O proprietário do bar onde se deu o mal entendido disse que o comerciante estava um tanto fora de si pela bebida e tomou aquilo como insulto, chamando o peixeiro pra fora onde acertaria a questão, abriu seu carro estacionado na frente, de onde sacou um revólver dando tiros para cima, chamando a atenção da viatura policial. No seu entender ele se sentiu ofendido quando Augusto peixeiro disse que estava pagando a despesa, já que era seu aniversário. Quando a viatura chegou ao local o comerciante já tinha saído e não deu seu depoimento.
 Em esclarecimento a esse jornal pelo telefone, o Sr. Paulo Filho narrou que realmente foi tudo um mal entendido, negou o uso da arma de fogo, mas confirmou os depoimentos dos populares em relação ao fato de ter sido humilhado e, como estava em companhia de um parente que o levou ao perigoso bar, quis apenas prezar pela sua segurança física e de seu acompanhante. Disse ainda que não fez o boletim de ocorrência policial e que não o fará, por orientação de seu advogado.




Agora vejam vocês
o que conta à opinião,
se narrando atravessado
força ganha a razão.


Não existe disputa
que lhe meça opinião.
Não existe desculpa
onde já mora o perdão.

O certo é que não há gruta
que esconda covardia.
A violência disputa
a questão na vilania.

Mas nem mesmo a violência
é salva no seu império.
A paciência em balança
na comédia dá seu berro.


Tendo mais o depoimento
de verve como razão,
do amigo Matusalém.
Popular, vulgo Pidão:


No aniversário de Augusto
um timóte encerra a festa.

Foi lá no Club’s Bar,
todos curtiam à beça.
No aniversário de Augusto
com bebida de esbaldar.
Não faltando autoridade
caindo lá de penetra,
com um revólver na mão
um timóte encerra a festa.


Depois do acontecido
Sansão fez foi fechar o bar.
Naquela noite, lá nele,
não se podia brincar.

Augusto ficou mei-triste,
pesando o que aconteceu.
Saltou dum carro Beatriz,
perguntando: “Quem morreu?”

Então foi nessa risada
que ela nos acompanhou,
ao brega em que trabalhava
pra gastar o que ganhou.

Chegando ao bar de Perla
quase todos tava lá.
Dançando, fazendo graça,
de manhã sol só foi parar.

Dormi numa cama do brega
no quarto de Conceição,
ela fez a sugestão,
em conjunto com Augusto.

Domingo com sol a pino,
no porto eu ia indo,
ia lá ver minha Aurora.
Cuidando no seu destino.

Horácio, eu tava certo,
tinha ficado na feira,
cuidando lá do barraco,
nisso até segunda–feira.

Veja só, chegando lá,
já vi logo que o lugar,
era o mais sujo que há.
Não cabendo nem pescar.

Nisso logo disse Augusto,
hoje é dia de lazer,
com nada pra se fazer,
vamos nela passear.

Foi no passeio que ele
sem minúcia me contou,
que estava fazendo um plano,
em segredo comentou.

Disse que tinha um projeto
pra uma grande construção,
fazendo um frigorífico,
junto a uma comissão.

Relatando mais o assunto,
me disse que o complexo
era juntar uma turma.
Quem cabia no projeto.

Eu lhe disse que ali
não podia aconselhar,
fazia só comentar.
Que nisso, tava muito certo.
Nisso dava muito esperto.

Tenho acertado comigo,
pra valente, fazer hora.
Só mostrando a que veio
na sabença da melhora.


No avanço dos dias tudo na feira era bom, o sustento não faltava, eu tinha até disposição pra pegar algum bico, trabalho de ocasião. Horácio era o gato mais famoso de lá, ficava por ali pela venda e ajudava na limpeza dos peixes, comendo as sobras, junto com os outros gatos. Talvez o sucesso dele fosse mesmo o fato de muitas vezes estar ele montado no meu ombro, enquanto eu trabalhava. Fiz muita amizade com gente nova, boa de cabeça e coração. Naquela paz que se vive, a convivência com a poesia dos dias, dos atos, foi que recomecei a história de ser cantor.
Augusto continuou firme no projeto do frigorífico cooperativa.
Somaria suas necessidades de peixeiro à de seus amigos pescadores que sofriam no trato com os outros atravessadores, que pagavam um preço injusto pelo peixe que eles não tinham onde estocar e ele, peixeiro, tampouco podia comprar na sua pequena banca. As reuniões eram sempre cheias de enredo, apesar de todos serem amigos de muito tempo sempre aparecia uma queixa, uma polêmica, próprio desse tipo de agremiação. Tudo só foi resolvido quando Beatriz entrou na questão, de pronto alugou um prédio no centro, resolvida que estava de ir largando sua vida na zona. Bonita demais, tinha ela juntado um bom capital, com os namoros.
Beatriz é filha única de mãe solteira, verdade. De mãe Imperatriz, o nome dela de batismo, Imperatriz Conceição Ferreira era sabido de poucos, famosa na ZBM, zona do baixo meretrício, como Perla, por conta dos seus cabelos. Naquele encanto de fêmea que sabe ser o mundo um campo da vontade, desde cedo Beatriz sabia exatamente onde era resolvido os problemas cotidianos. “Do amor vim à vida. Sua força vinha do amar.”, repetia. Intimamente apegada a Augusto, a quem chama Luiz, e capaz de tudo pra manter a dianteira na vida dele, não fazendo conta por seus independentes charfudos, como era dito na zona. Desde logo pensou em fazer parte da cooperativa, sei por que Conceição conversou com Augusto numa noite em que dormimos os três no quarto depois da farra no aniversário dele. Beatriz esperou, incentivou o projeto enquanto havia as reuniões, alugou o prédio em segredo e lhe deu as chaves, virando secretária, eleita em assembléia.
Foi para ela, depois daquele tempo sem viola, presente surpresa dela, que ofertei esta canção:


Vinho à Vida.
Letra e música: Juscelim Capitão

Ela é a beata do encanto
é ela Beatriz,
só presa dum canto,
que a faz mais feliz.

Do amor, vim à vida.
Sua força vinha do amar.         refrão
O seu sol, quem daria.
O amor brilha no olhar.

Até pelo avesso se via a beleza.
Na surpresa, com que Beatriz
responde no entanto,
que não há cicatriz
que perca o encanto
de fazer mais feliz,
quem vive do quanto
se faz mais feliz.

Uva mulher que no vinho dos anos,
melhora o encanto, de viver mais feliz.
Atriz, pela rua cantando, a canção
que me faz mais feliz.


Disto conta a vocês
como se desenrolou
seu sucesso de cantor,
cantano até pelo mundo.
Famoso em todo lugar.


Foi num dia de sábado,
alto, meio de uma farra.
Que Beatriz comentou,
estava ali um compositor.

Eu já tinha lhe contado,
na falta de instrumento.
Me atirando a viola,
presente,
lá no momento.

Era seresta pra rádio,
dessas que premia
a voz, as músicas,
de uma nova geração.
Lá no palco acredite,
já me foi aparecendo,
os versos duma canção.

E as palmas reconheceram,
meu sucesso confirmou.
Não deu nem pra’piruar,
a turma, lá do lugar.

No outro dia na feira
não falavam noutro assunto.
A eleição como artista,
o prêmio, lá no concurso.

Na modéstia eu lhes dizia, da pena,
de não ter levado Horácio.
- Já pensou naquele gato,
miando lá no conjunto?


                E foi também lá na banca, onde eu ficava no lugar de Augusto, que mais o tempo passava no frigorífico, onde conheci um radialista de nome Danilo. Ele me fez a proposta de cantar no seu programa, a música, uma vez por dia.
Lhe disse que ia pensar no assunto. Foi de noite, no meio de um namoro que já existia entre eu, Augusto e Beatriz que ele me contou que Nito Ferreira da rádio, primo de Conceição por parte de pai, era apaixonado por Beatriz. Ela nem falava no assunto, depois eu vi o porquê.
O fato de cantar no ar me deu muitas alegrias, já tinha umas seis músicas apreciadas e Vinho à vida era a mais pedida, mas me deu uma alegria que eu não esperava. Numa hora na porta do estúdio,


me entregaram uma carta
que vinha do meu lugar.
Era uma carta de Flora,
de escrito, pra eu chorar.

Me dizia que o desmando,
de trato com a safadeza,
tava fazendo uma farra
nas terras da redondeza.

Era tanto o absurdo,
daquela situação.
Resolvi que lia, a carta,
no ar, começando a questão.


Piató, Vale do Açu. 20/03/25

Amado Juscelim,
           
            desculpe lhe aborrecer com a novidade, nestas linhas que lhe mando também, pra espantar a saudade de sua convivência.
Ontonte quando fui no centro, completar a ração dos bicho e daqui de casa, confirmou-se um assunto que já tava de boca em boca, nisso não fazendo utilidade. É de verdade aquele negócio da firma do melão, adquiriram as terras de cima, na cabiceira da pista, terra grande, dando pena da lagoa e tão fazendo o maior escarcéu. Botaram o povo pra fora em troca de minharia e não satisfeito, agora lá se vê já o ôco da falta da mata que protegia a água. Adubação do chão com insumo, daqueles branco que parece um plástico, e vai vim até avião pra ajudar na pulverização. Imagine quando isso somar tudo aqui no meio ambiente, mexendo no equilíbrio, diminuindo o pescado, aumentado a necessidade de quem já vive aperriado, com o pouco do sustento. Dizem na rádio daqui que eles vão dar muito emprego, trazer progresso, essas coisas que eles dizem quando querem pegar os sabidos. E tem também um comentário já sério de que o prefeito tem parte nesse negócio, e passa a perna por cima do certo, dizem que até um ou dois veriador tão também metidos nesse absurdo. Perto lá de comprade Zé um metido a autoridade também comprou uma terra e já queimou tudo, diz que vão plantar banana de exportação com o exterior, acompanhando esse fiado.
Começou as reuniões pra festa do caju, mas tem gente que nem vem, de caso com essa enrolação, porque a gente aproveita pra tratar do assunto. Tamos fazendo as roupas da dança, como foi o combinado, em azul, vermelho e amarelo e dourado pra alegrar a apresentação. Fui eu e dona Chiquinha fazer uns pote, pra fazer o vinho e ainda tem mais outros certos, amigo seguro de que tudo vai dar certo, só vendo você voltar.
Aqui por casa vai tudo bem, as crianças vão bem nos estudos e olímpio dorme todo dia escutando você cantar, mande um alô aí da estação. E pense logo em voltar, só tu diz o certo sem medo, o acontecido pode aumentar a precisão.

Amo muito você.
Sempre sua,

                                                           Flora



Era falta de Anarquia,
eu lhe disse respondendo.
Isso tudo, nesse assunto.
Agir era no correndo.


Imagine a agonia que fiquei
naqueles dias, pensando em casa,

no todo, de abalo no firmamento.
Na fineza da ação que eu tinha que tomar.

Tenho acertado comigo,
pra valente, fazer hora.
Só mostrando a que veio
na sabença da melhora.

O certo é que não há gruta
que esconda covardia.
Não há forma de governo
que mereça simpatia.


Juntamente ao sucesso, de caso se feito enredo,
lá na rádio eles queriam, dar rédea à situação.
Mas foi no ato, que Nito, hora paga, com jeito,
tomou a frase no tino, me dando foi a razão.

Enquanto isso Augusto fazia era questão,
escutando eu tratar do assunto,
foi me dando a sugestão.
Devia dizer do abuso, do fato, era todo dia.


E me disse que no caso
de eu pensar no voltar,
a picape deles de oferta,
dispunha sem mais tardar.

Eu lhe disse agradecido,
senti nisso união.
E um mundo mais de amigo,
tudo dando mais razão.

Disso era o pensado, só eu ia
fazer suspense.
Imaginei também um plano
pensando nos finalmente.

Comecei a escrever versos,
no meu lazer, de improviso.
Tratando também do assunto,
pra espantar tudo aquilo.

E nisso a natureza
é também limpa e honesta.
Faz limo no seu viver,
no brio lá do poeta.


Naqueles dias o caso foi tomando mais sentido. Lá na rádio, de Assu, foram aparecendo uns cabras bons de corrente, com o bem comum, do fazer o correto. Em comunhão com o discurso no programa de Nito Ferreira, completando a audiência das músicas, também era sempre lembrado pelos estudiosos do assunto que eram ouvidos nos programas, o tempo recente que aquelas barbaridades foram cometidas, e os custos ambientais e sociais daquele tipo de atitude serviu. De quem se vende num trocado. Pelo telefone a gente também colocava no ar, de cá pra lá, os depoimentos de gente sábia, antiga na lagoa e na região, que se comprometia a não esmorecer dessa vez, tratar o caso antes do tarde. As cartas e mensagens chegavam de muitos lugares, a beleza na informação é quando se sente a humanidade naquilo, gente de toda parte, como uma grande oração. Enquanto isso eu respeitava meu tempo, na banca de peixe e no programa, que já tinha quatro horas de duração. Nesse crescer, um dia, pra o sucesso do plano que eu vinha fazendo, só lá dentro do meu entender, Beatriz me disse que Nito tinha conversado com ela e que ele ia vender o carro dos anúncios, que aumentava só a poluição e ia se aplicar na gravação das músicas, famosas já, do programa.
Como tudo estava caminhando conforme é contado em lenda, as vendas dos discos, pra todos os lugares foi tanta que nós fizemos mais dez tiragens, completando a missão de entregar os pedidos. É nisso também que a tecnologia da comunicação ajuda, pelo computador mesmo, Beatriz enviava o som pra outros lugares do mundo. Também tinha eu ido em casa, levando Aurora, Horácio, ajeitado a rotina. Apesar dos convites na rádio Princesa do vale, não via como parar quieto lá num balanço de rede, escutando os grilos no canto. Até que num dia normal de final de tarde Augusto me disse que somada minha parte, com a distribuição dos discos, mais a dele e a de Beatriz, era suficiente pra ter a terra toda da lagoa e eu lhe disse que fosse com Beatriz, que é muito aplicada nisso, resolver a questão da fazenda lá do melão e das outras, merecidas de atenção. De minha parte bastava o justo do meu sustento, ficando na sua mão. Foi o tempo só de cuidar na festa do caju, porque a chuva chegou. O inverno nos alegra e aumenta a fartura, o viço das plantas, dos viventes.
Nessa altura desse tempo, eu já era residente de novo em casa, na lagoa, e só viajo num pulo, pra cantar em todo canto.
Minha maior surpresa na festa foi a letra deste hino oração, feito canção, que me ofertou meu filho olímpio, então com onze anos, continuando a geração:



Onde é?
Letra: olímpioTURBUS
Música: Juscelim Capitão

Ele quer dizer cantiga ao nosso Senhor...
Onde é?
Na sombra do cajueiro que de feliz já deu flor.

Sabiá piquinininha
cante pra mode alegrar.
Saúde, amor e zelo,
não pode nunca faltar.

O pote de muito cheio
A água molhou o chão
        Juscelim já muito “cheio”
Meteu o rabo no chão

Aonde vai?
Ele vai chamar os passo
pr’ajudar nessa oração...
Donde vem?
Vem da beira da lagoa,
um bando de passarinho.
São mil qualidade de ave,
pra ajudar o cantor.


Sabiá piquinininha
cante pra mode alegrar.
Raiva e dor de cotovelo
é coisa que vai passar.

 Urupemba cheia de milho
As galinha derramô
        Cum os papo cheio do mio
Nem o galo cantô
    

Onde tem?
Ele tem a natureza, a volta do seu olhar...
Onde mais?
Onde é mais a vista das hora,
nós vê o dia raiar.

Sabiá piquinininha
cante pra mode alegrar.
Arroto, medo, rancor e peido,
não é coisa de se guardar.

      A festa com o sol raiando
Ganha uma nova cor
        Parceiro oiando bem
Vê que par arrumô

Onde é?
Ele é a esperança, do novo, trabalho e pão...
Onde é?
Na terra morada e templo.
Na palma das nossa mão.

Sabiá piquinininha
cante pra mode alegrar.
Dinheiro não faz feliz,
riqueza é paz no olhar.



Sabiá alegre é:

Amor. Confiança em si. Respeito ao meio habitado e silvestre. Bruta sensatez.
Fé no próximo e no distante. Elástico corpo. Imaginação voadora.




...











Você sabe que quem conta
sempre aumenta algum florão
e uma história repetida
sempre espicha em oração.
Vai alargando os contornos,
ganhando outra dimensão.

Sabendo também: quem conta
sempre aumenta algum tostão.
Não é essa situação,
dizendo já de honesto.
Não faltando com a modéstia,
só pague o preço que atesta.

Tem mais aventuras dessa!
Desta continuação,
pergunte lá o poeta
se ele tem a edição.